domingo, 6 de maio de 2007

Auto-hemoterapia do bem ou do mal?

Carolina Coutinho

Um tratamento eficaz e barato. A auto- hemoterapia promete cura para doenças infecciosas, alérgicas e auto-imunes, entre outras. Mas a terapia – na qual se retira um pouco de sangue do paciente com uma injeção, que é aplicado em seguida no músculo (braço ou nádegas) – não tem nenhuma comprovação científica e pode causar danos em vez de trazer benefícios.

O alerta vem sendo feito pelas autoridades sanitárias em todo o país. No último dia 13, o Ministério da Saúde, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), condenou a prática.

De acordo com o órgão federal, alguns pacientes recorriam a essa terapia, no passado, devido à carência de recursos apropriados para a manutenção da saúde.

Em nota enviada por e-mail a O TEMPO, a Anvisa informou que “não existem evidências científicas ou trabalhos indexados que comprovem a eficácia e segurança desse procedimento”.Portanto, diz a nota, a prática “não é reconhecida pelo sistema de vigilância sanitária nem pelos conselhos que regulam o exercício da medicina e da enfermagem”.

Os profissinais flagrados receitando ou aplicando a autohemoterapia serão punidos pelos seus respectivos conselhos, podendo até perder o registro profissional.

Segundo o primeiro secretário do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM–MG), o médico João Batista Soares, os perigos do método consistem na coleta e aplicação do sangue de forma errada e ou com material contaminado e a possível infecção dos músculos que recebem o sangue.

“O sangue não é material adequado para ser injetado no músculo, mas, sim, nas veias. Quando introduzido no músculo, alguns dos seus componentes podem se degradar e formar abscessos (pus) na região”, explicou. Mas o maior risco, para Soares, é a ilusão da melhora na saúde.

“As pessoas que se propõem a passar pela auto-hemoterapia estão perdendo tempo quando poderiam estar fazendo um tratamento sério e adequado”, disse.

Os adeptos da técnica alegam que a aplicação do sangue no músculo é uma forma de estimular o sistema imunológico no tratamento e que a técnica pode trazer cura até mesmo em casos de câncer.

Eles acreditam que a aplicação do sangue no músculo ativa a produção de macrófagos – células do sangue produzidas na medula óssea e que têm a função de combater corpos estranhos, como vírus e bactérias. Em média, cada ser humano com sistema imunológico saudável possui 5% de macrófagos.

“Quando aplicamos o sangue no músculo, a pessoa passa a ter uma média de 22% de macrófagos (durante uma semana), o que faz com que a pessoa reaja melhor à doença”, explicou a ginecologista Heliana Mendonça, que indicou a técnica a pacientes.

A hematologista Andréa Wandalsen Almeida rejeita a explicação. Segundo ela, o sistema imunológico, se saudável, reage a qualquer tipo de processo inflamatório e, conseqüentemente, produz mais macrófagos para combatê- lo.

“A própria doença é um estímulo para o sistema imunológico, que não precisa ser provocado dessa maneira arriscada. Mas, se a pessoa tiver falhas nesse sistema, a introdução de sangue em seu organismo poderá piorar sua saúde”, disse.

Heliana começou a utilizar o tratamento em si mesma e em seus familiares antes de indicar para seus pacientes. “Não faria uma coisa na qual não confiasse. É um método eficaz e, entre os meus pacientes que o usam, é unânime a satisfação. Duvido que algum deles queira parar o tratamento”, afirmou.

A ginecologista disse ainda que a polêmica criada em torno da auto-hemoterapia é semelhante às ocorridas em relação à fitoterapia e homeopatia, por exemplo.

“Essas também eram vistas com maus olhos antes de serem reconhecidas. Acho que é uma questão de tempo para que a Anvisa reavalie a importância da auto-hemoterapia”, disse.

Minas promete punir médico infrator

O coordenador do Programa de Vigilância em Sangue, Órgãos e Tecidos da Secretaria de Estado da Saúde (SES), Deodoro Máximo de Alencar Filho, disse que o órgão vai fiscalizar a prática e autuar o médico que continuar utilizando a auto-hemoterapia.

As autuações serão feitas por meio de denúncias. “As penalidades estão previstas na Lei de Infração Sanitária (nº 6.437/77) e variam de notificações e multas (entre R$ 2.000 a R$ 1,5 milhão) à interdição do estabelecimento. Não podemos deixar uma terapia clandestina funcionar.
É um perigo para a população.”

Apesar dos riscos, o primeiro secretário do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM–MG), o médico João Batista Soares, disse que a ciência não pode fechar as portas para os métodos alternativos.

Segundo ele, é preciso um estudo aprofundado e ético sobre a prática para que se possa avaliar sua eficácia. “Sou a favor do investimento em pesquisa, mas, sem ela, é arriscado prescrever qualquer tipo de tratamento”, afirmou.

Proibição faz médicos suspenderem prescrição

O médico José Geraldo Lopes, especialista em acupuntura e homeopatia, disse que parou de prescrever a auto-hemoterapia recentemente, a partir de sua proibição. Ele trabalha na Policlínica Municipal de Ipatinga, no Vale do Aço, e receitava o método há um ano.

Segundo ele, os resultados obtidos foram “ótimos” nesse pequeno tempo. “É uma pena que a gente não possa continuar esse tratamento, que é tão eficiente e barato”, afirmou.

Para o primeiro secretário do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), o médico João Batista Soares, esse último argumento não sustenta sua prática.

O fato de os gastos da auto-hemoterapia serem baixos, já que seringa, agulha, álcool e algodão são os únicos materiais utilizados no tratamento, de acordo com Soares, não fazem dela uma opção diante das demais formas de processos de cura já pesquisadas e comprovadas cientificamente.

“Não podemos avaliar o valor de um tratamento seguindo o critério de preço. Ser barato não quer dizer nada. É preciso saber da eficiência do procedimento e, não, seu custo.”

No último dia 9, a bancária Luciana Luna Fabri, 35, paciente de Lopes, foi obrigada a suspender seu tratamento de auto-hemoterapia contra dermatomiosite – doença do sistema conjuntivo, que inflama a pele, músculo e pulmão.

Ao chegar à Policlínica de Itabira, foi informada pela equipe de enfermagem que aquele procedimento havia sido suspensa, por tempo indeterminado, pela Secretaria Municipal de Saúde.

“Meu médico foi proibido de receitar esse procedimento e eu fui a mais prejudicada. A auto-hemoterapia aumentava minha resistência física, além de ser um tratamento muito mais acessível para as pessoas”, afirmou.

Desde que interrompeu as aplicações de sangue no músculo, Luciana voltou para o antigo procedimento com cortisona.

Arquiteta diz que manterá tratamento

Mesmo com a proibição do uso da auto-hemoterapia pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a arquiteta belo-horizontina Aline Candian, 30, não deixará de se submeter a essa prática.

Ela sofre de púrpura – doença auto- imune que ocasiona a baixa de plaquetas no sangue – e disse que depois que começou tal tratamento, sua qualidade de vida melhorou muito.

“Tentava de tudo e nada melhorava meu estado de saúde. Passei por vários tipos de tratamentos, convencionais, com cortisona e outros medicamentos, e alternativos, como homeopatia e cirurgia espiritual, mas só obtive resultado positivo com a auto-hemoterapia”, contou a arquiteta, que engordou 30 kg com o consumo de cortisona e recuperou o peso normal com a auto-hemoterapia.

Efeitos colaterais

Segundo Aline, além de não manter sua taxa de plaquetas em um nível sadio – entre 150 mil e 450 mil plaquetas no organismo, sendo que a sua estava em cerca de 10 mil – o tratamento alopático com os hematologistas gerava muitos efeitos colaterais.

Ganho de peso, queda de cabelo, erupções na pele do rosto e mau humor excessivo eram os que mais a incomodavam.

“Sei que a auto-hemoterapia não é reconhecida pelo Ministério da Saúde, mas confio plenamente na competência do médico que me trata. Não fui irresponsável de me tratar com qualquer pessoa. Escolhi um médico competente, que entende do assunto. Outra coisa da qual tenho certeza é que não sofri desse efeito placebo, que muitos falam. Se fosse o meu psicológico que influenciasse os resultados, outras terapias também teriam me ajudado”, afirmou ela, que, atualmente, tem a ajuda de uma enfermeira para fazer as aplicações de sangue.

A presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais (Coren-MG), Telma Ramalho Mendes, disse que os enfermeiros só podem atuar com prescrição médica, seja em forma de prontuário ou receita.

“Vamos passar a posição do conselho federal para nossos profissionais (são contrários a auto-hemoterapia), mas não poderemos condená- los se eles estiverem respaldados pela receita médica”, afirmou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Esta reportagem foi publicada originalmente na revista do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, edição de maio de 2007. Se observar no site dela, verá que esta edição foi ABOLIDA do site. Contatada, a revista respondeu-me que não houve publicação desta edição, muito embora ela tenha ficado disponível no seu site até 2008.. proscrição...
Ainda bem que várias pessoas copiaram esta matéria. peço que se alguém tiver um exemplar, me envie que remunerarei corretamente. obrigado.
Olivares Rocha
olivares@oi.com.br