sábado, 25 de agosto de 2007

Brasil: polêmico projeto de esterilização feminina

Um projeto de lei que propõe reduzir de 25 para 18 anos a idade mínima para as mulheres poderem optar pela esterilização nos hospitais públicos do Brasil enfrenta uma férrea oposição do governo. Para o senador e bispo de Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella (do Partido Republicano Brasileiro), autor da iniciativa em análise no Senado, a lei ajudaria a reduzir a violência porque “não nasceriam crianças expostas à fome e ao abandono”, causas que em sua opinião estão vinculadas à criminalidade.

A lei 9.263, que regulamenta o planejamento familiar, estabelece em seu artigo 10 que somente é permitida a esterilização voluntária de homens e mulheres maiores de 25 anos e com pelo menos dois filhos vivos. O Ministério da Saúde é contrário à proposta e oferece várias opções de planejamento familiar na rede pública de saúde. Entre elas a esterilização feminina por meio da ligadura das trompas de Falópio, que interrompe a passagem dos óvulos dos ovários para o útero, evitando a fecundação. Em declarações à Agência Brasil, o ministro da Saúde, José Gomes, disse ser “radicalmente contra” a redução da idade para a esterilização voluntária “porque isso não é planejamento familiar, mas controle de natalidade”, uma fase que considera superada no País, que tem mais de 188 milhões de habitantes.

Consultada pela IPS, Regina Viola, coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, do ministério, argumentou que a ligadura “é considerada um método anticoncepcional irreversível, já que em caso de arrependimento nem todas pessoas submetidas a essa cirurgia apresentam condições para recanalização ou reversão da operação”, afirmou. Estudos do ministério revelam uma “taxa de arrependimento que varia de 2% a 13%, dependendo da idade e das circunstâncias em que a ligadura foi realizada, sendo maior em mulheres que a fizeram com menos de 30 anos”, acrescentou Regina Viola.

Por sua vez, Elizabeth Ferraz, coordenadora do departamento de pesquisa da organização não-governamental Bemfam, disse à IPS que a última pesquisa sobre dados nacionais de demografia e saúde, feita em 1996, revelou que 77% das mulheres casadas ou em união estável usavam algum método anticoncepcional, e que 40% haviam sido esterilizadas entre os 15 e 49 anos. O estudo foi realizado pela Bemfam, que trabalha em questões de saúde sexual e reprodutiva em 13 Estados.

Embora a idade média de mulheres esterilizadas tenha sido de 28,9 anos, 20% tinham menos de 25, 37% entre 25 e 29, 28% entre 30 e 40, 12% na faixa de 35 a 39 e 3% entre 40 e 44 anos. Segundo Ferraz, os métodos variam com as circunstâncias e a idade reprodutiva. Por exemplo, muitas mulheres em plena idade reprodutiva usam pílulas anticoncepcionais para evitar uma gravidez em seguida a outra, quando consideram que já têm o número que consideram ideal de filhos optam pela esterilização.

Além disso, quanto maior a escolaridade da mulher maior a diversificação do uso de métodos de planejamento familiar e maior a quantidade de casos de vasectomia (esterilização masculina) em seus maridos, ressaltou a especialista. Embora a esterilização feminina não seja um método nem mau nem bom em si mesmo, mas uma opção a mais para a mulher, Ferraz também se mostrou preocupada pela proposta de reduzir a idade mínima.

“Essa proposta é um pouco radical. Poderíamos trabalhar mais em questões de políticas públicas, como dar mais informação à população sobre a diversificação de métodos e gastar dinheiro em campanhas informativas que permitam à mulher controlar sua natalidade não com um método definitivo como a ligadura das trompas no início de sua vida sexual. Há métodos adequados para cada momento”, afirmou.

A coordenadora de Bemfam também destacou que o arrependimento é comum em mulheres esterilizadas que estabelecem uma relação com um novo companheiro ou na morte de algum filho. Nas áreas mais pobres – como o nordeste do País onde os índices de esterilização feminina superam a média nacional e chegam a até 43,9%, ou o centro-oeste, onde chegam a 59,5% - “como o acesso a outros métodos às vezes é difícil, e não têm outras opções, as mulheres caem na esterilização”, alertou.

Nesse contexto, “em muitos casos a esterilização é uma moeda de troca por votos eleitorais”, em localidades sem acesso à saúde e educação, alertou Ferraz. Diante da dúvida sobre a eficácia de outros métodos, como preservativos, pílulas ou dispositivos intra-uterinos, muitas mulheres sem instrução e sem dinheiro optam pela esterilização, pois acreditam que “já não precisam mais se preocupar”. Uma dúvida que pode ser esclarecida com um censo sobre planejamento familiar que o Ministério da Saúde realiza, “seria determinar se no Brasil, que também é campeão de cesarianas, esta é um motivo para a esterilização ou se este método é um motivo para a cesárea”, disse Ferraz.

Segundo a pesquisa mencionada de 1996, do total de mulheres esterilizadas, 59% se submeteram a essa prática em um parto por cesariana, enquanto apenas 15% o fizeram depois de um parto normal. Viola também acredita que a oferta de métodos e a informação sobre eles devem ser os eixos de qualquer campanha de saúde reprodutiva. A nova Política Nacional sobre Planejamento Familiar, lançada pelo Ministério da Saúde no dia 28 de maio, estabelece, entre outras ações, uma campanha publicitária de esclarecimento e estímulo ao planejamento e à distribuição em grande escala de material educativo sobre métodos anticoncepcionais em escolas e centros comunitários. Também se contempla a ampliação da oferta de anticoncepcionais para a Farmácia Básica de 20 milhões para 50 milhões de cartelas de pílulas, e o estimulo à vasectomia nos hospitais públicos, entre outras ações.

A taxa de fecundidade brasileira começou a declinar no final da década de 60. Segundo Ferraz, enquanto em 1960 era de seis filhos por mulher, em 1996, ano do último censo de planejamento familiar, havia baixado para 2,3 filhos por mulher e em alguns centros urbanos, como Rio de Janeiro, era ainda menor, de 1,9%. A especialista citou razões econômicas, como a migração do campo para a cidade – hoje, apenas 20% da população vivem em zonas rurais onde há menor acesso à informação – e a entrada de mulher no mercado de trabalho.

Fonte: Envolverde/ IPS

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