quarta-feira, 20 de junho de 2007

Estudo confirma uma forma diferente de transmissão da doença de Chagas

Fernanda Marques

Quando se fala na transmissão do Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença de Chagas, logo vem à cabeça o barbeiro. Este inseto, ao picar o indivíduo, libera suas fezes infestadas pelo parasita, que, quando a pessoa se coça, penetra no organismo através de erosões na pele ou mucosas. Esta é a via mais comum, mas a ocorrência de alguns surtos fez com que os cientistas começassem a levar em consideração a transmissão oral do T. cruzi. E um estudo do Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM), unidade da Fiocruz na Bahia, sustenta as evidências de que o protozoário pode, sim, ser transmitido pela ingestão de alimentos contaminados. No domingo (20/03), um episódio ocorrido em Santa Catarina pode comprovar a pesquisa. A morte de três pessoas, vítimas da doença de Chagas, e a confirmação de outros 15 casos da enfermidade no estado levaram a Vigilância Sanitária a suspender a venda de caldo de cana nos estabelecimentos comerciais. A doença teria sido transmitida pela bebida.



Imagem de um Trypanosoma cruzi


Em 1968, membros de uma comunidade agrícola de Teotônia (RS), começaram a apresentar uma doença febril grave. Ninguém atinava se tratar da doença de Chagas, já que não havia barbeiros nas casas nem nas escolas. Após muita investigação, chegou-se à conclusão de que as verduras consumidas no refeitório da comunidade eram fonte de T. cruzi. Provavelmente, marsupiais - reservatórios do protozoário - contaminaram as hortas com secreções provenientes de suas "glândulas anais", que são um verdadeiro meio de cultura para o parasita.

Muitos anos depois ocorreu outro surto, dessa vez em Catolé do Rocha (PB). Houve uma grande festa de bodas de ouro em uma fazenda e, dias depois, alguns convidados começaram a apresentar aquela mesma doença febril. O caldo de cana ou outros alimentos servidos, provavelmente, estavam contaminados por excreções de gambá com T. cruzi. O casal que comemorava as bodas faleceu em decorrência da doença de Chagas.

Recentemente, a transmissão oral do T. cruzi tem sido resposável por microepidemias no Pará. Famílias inteiras desenvolvem doença de Chagas, mas os domicílios não estão infestados pelo barbeiro. Este vive em palmeiras e, atraído pela luz, cai no equipamento usado no preparo do suco de açaí, que fica do lado de fora da casa. O inseto é triturado e contamina a bebida com o protozoário. Resultado: quem toma o suco corre sério risco de ficar doente.

Todos esses casos relatados em Rio Grande do Sul, Paraíba e Pará chamaram a atenção dos cientistas. A questão que se colocava era: caso o T. cruzi fosse engolido, ele não seria destruído pelo suco gástrico? Então, a médica Sonia Gumes Andrade, especialista em patologia experimental, do CPqGM, propôs um experimento para responder à pergunta. "Introduzimos o T. cruzi, através de um tubo, diretamente no estômago de camundongos", conta ela, que havia estudado as cepas de T. cruzi isoladas dos casos da Paraíba e do Pará. "Observamos que o parasita não só sobrevivia ao suco gástrico como também era capaz de infectar os animais. Estes desenvolviam a doença com lesões idênticas às observadas nos camundongos em que o protozoário era inoculado por via sangüínea", revela.

O achado da pesquisadora comprova que o T. cruzi, caso engolido, pode causar infecção por via digestiva (ou intragástrica). "Pela via mais comum, o simples fato de o indivíduo se coçar já permite a entrada e a disseminação do protozoário. Imagine, então, se a pessoa ingerir grande quantidade de parasitas: isso pode ser ainda mais grave", comenta Sonia. Mas a pesquisadora lembra que não há razão para que se evite comer verduras, caldo de cana ou suco de açaí. "O problema não são os alimentos, e sim a presença do T. cruzi", sublinha. São principalmente os parasitas do biodema tipo III - isolados, em geral, de animais silvestres - que conseguem causar infecção por via digestiva. Um biodema reúne cepas de T. cruzi com características semelhantes.

As cepas do biodema tipo III são, em geral, muito patogênicas. No experimento, a cepa desse tipo demonstrou maior capacidade de atravessar a barreira gástrica e produzir infecção mais intensa no camundongo, se comparada às outras cepas dos biodemas I e II. "É de interesse assinalar que as cepas do biodema tipo III estão mais ligadas ao ciclo silvestre, o que possibilita as 'microepidemias' em locais onde os barbeiros não estão domiciliados", completa Sonia

Fonte: Fiocruz

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